ARNALDO JABOR
Os corruptos
ajudam-nos a descobrir o País. Há sete anos, Roberto Jefferson nos abriu a
cortina do mensalão. Agora, com a dupla personalidade de Demóstenes Torres,
descortinamos rios e florestas e a imensa paisagem de Cachoeira. Jefferson teve
uma importância ideológica.
Cachoeira é uma
inovação sociológica. Cachoeira é uma aula magna de ciência política sobre o
Sistema do País. Vamos aprender muito com essa crise. É um esplendoroso
universo de fatos, de gestos, de caras, de palavras que eclodiram diante de
nossos olhos nas últimas semanas. Meu Deus, que riqueza, que profusão de cores
e ritmos em nossa consciência política! Que fartura de novidades da sordidez
social, tão fecunda quanto a beleza de nossas matas, cachoeiras, várzeas e
flores.
Roberto
Jefferson denunciou os bolchevistas no poder, os corruptos que roubavam por
“bons motivos”, pelo “bem do povo”, na base dos “fins que justificam os meios”.
E, assim, defenestrou a gangue de netinhos de Lenin que cercavam o Lula que,
com sua imensa sorte, se livrou dos mandachuvas que o dominavam. Cachoeira é
uma alegoria viva do patrimonialismo, a desgraça secular que devasta a história
de nosso País. Sarney também seria ‘didático’, mas nada gruda nele, em seu
terno de ‘teflon’; no entanto, quem estudasse sua vida entenderia o retrato
perfeito do atraso brasileiro dos últimos 50 anos.
Cachoeira é a
verdade brasileira explícita, é o retrato do adultério permanente entre a coisa
pública e privada, aperfeiçoado nos últimos dez anos, graças à maior invenção
de Lula: a ‘ingovernabilidade’.
Cachoeira é um
acidente que rompeu a lisa aparência da ‘normalidade’ oficial do País. Sempre
soubemos que os negócios entre governo e iniciativa privada vêm envenenados
pelas eternas malandragens: invenção de despesas inúteis (como as lanchas do
Ministério da Pesca), superfaturamento de compras, divisão de propinas,
enfrentamento descarado de flagrantes, porque perder a dignidade vale a pena,
se a grana for boa, cabeça erguida negando tudo, uns meses de humilhações
ignoradas pelo cinismo e pela confiança de que a Justiça cega, surda e muda vai
salvá-los. De resto, com a grana na ‘cumbuca’, as feridas cicatrizam logo.
O governo do PT
desmoralizou o escândalo e Cachoeira é o monumento que Lula esculpiu. Lula
inventou a ingovernabilidade em seu proveito pessoal. Não foi nem por
estratégia política por um fim ‘maior’ – foi só para ele.
Achávamos a
corrupção uma exceção, um pecado, mas hoje vemos que o PT transformou a
corrupção em uma forma de governo, em um instrumento de trabalho. A corrupção
pública e a privada é muito mais grave e lesiva que o tráfico de drogas.
Lula teve a
esperteza de usar nossa anomalia secular em projeto de governo. Essa foi a
realização mais profunda do governo Lula: o escancaramento didático do
patrimonialismo burguês e o desenho de um novo e ‘peronista’ patrimonialismo de
Estado.
Quando o
paladino da moralidade Demóstenes ficou nu, foi uma mão na roda para dezenas de
ladrões que moram no Congresso: “Se ele também rouba, vamos usá-lo como um Omo,
um sabão em pó para nos lavar, vamos nos esconder atrás dele, vamos expor nosso
escândalo por seu comportamento e, assim, seremos esquecidos!”
Os maiores
assaltantes se horrorizaram, com boquinha de nojo e olhos em alvo: “Meu Deus…
como ele pôde fazer isso?…”
Usam-no como um
oportuno bode expiatório, mas ele é mais um ‘boi de piranha’ tardio, que vai na
frente para a boiada se lavar atrás.
Demóstenes
foi uma isca. O PT inventou a isca e foi o primeiro a mordê-la. “Otimo!” –
berrou o famoso estalinista Rui Falcão – “Agora vamos revelar a farsa do
mensalão!” – no mesmo tom em que o assassino iraniano disse que não houve
holocausto. “Não houve o mensalão; foi a mídia que inventou, porque está
comprada pela oposição!” Os neototalitários não desistem da repressão à
imprensa democrática…
E foi o Lula
que estimulou a CPI, mesmo prejudicando o governo de Dilma, que ele usa como
faxineira também das performances midiáticas que cometeu em seu governo. Dilma
está aborrecida. Ela não concorda que as investigações possam servir para que o
Partido se vingue dos meios de comunicação e não quer paralisar o Congresso.
Mas Lula não liga. “Ela que se vire…” – ele pensa em seu egoísmo, secretamente,
até querendo que ela se dane, para ele voltar em 14. Agora, todo mundo está com
medo, além da presidente. O PT está receoso – talvez vagamente arrependido.
Pode voltar tudo: aloprados, caixas 2 falsas, a volta de Jefferson, Celso
Daniel, tantas coisinhas miúdas… A CPI é um poço sem fundo. O PMDB, liderado
pelo comandante do atraso Sarney, também está com medo. A velha raposa foi
contra, pois sabe que merda não tem bússola e pode espirrar neles. Vejam o
pânico de presidir o Conselho de Ética, conselho que tem membros com graves
problema na Justiça. Se bem que é maravilhoso o povo saber que Renan, Juca,
Humberto Alves, Gim Argello, Collor serão os ‘catões’, os puros defensores da
decência… Não é sublime tudo isso? Nunca antes, em nossa história, alianças tão
espúrias tiveram o condão de nos ensinar tanto sobre o Brasil. A cada dia nos
tornamos mais sábios, mais cultos sobre essa grande chácara de oligarquias. E
eu estou otimista. Acho que tudo que ocorre vai nos ensinar muito. Há qualquer
coisa de novo nessa imundície. O mundo atual demanda um pouco mais de decência
política. Cachoeira, Jefferson, Durval Barbosa nos ensinam muito. Estamos
progredindo, pois aparece mais a secular engrenagem latrinária que funciona
abaixo dos esgotos da pátria. A verdade está nos intestinos da política.
Mas, o País é
tão frágil, tão dependente de acasos, que vivemos com o suspense do julgamento
do mensalão pelo STF.
Se o ministro
Ricardo Lewandowski não terminar sua lenta leitura do processo, nada acontecerá
e a Justiça estará desmoralizada para sempre.
Nenhum comentário: